Voltar ao estado de coisa, não de ser. Existir como cadáver decomposto espalhado e revirado na terra, até que uma raiz de planta me sugue, ou uma boca de criança me engula e vomite, ou que nada aconteça por milhares de séculos, e depois disso que eu e mais tantos outros viremos areia ou petróleo. Voltar ao estado de inconsciência, de átomos separados, reagrupados, re-separados, resetados de um organismo vivo. Deixar de ser um organismo que funciona para si próprio (ou para sobreviver), e apenas existir como elementos químicos, sem forma e misturado com um monte de coisa que também já foi um ser vivo. O mundo, os nomes das coisas, a organização das partículas, dos gestos e das espécies não faz o mínimo sentido e a mínima diferença para os seres mortos. Eles estão em outro patamar das coisas, um patamar sem forma e sem consciência. Só para os vivos é importante catalogar sua existência nessa linguagem que diz “vivo” ou “morto”, “isso” ou “aquilo”. Não é a toa que o culto egípcio antigo diz que o faraó deveria ser adorado pela eternidade, pois só a memória dos vivos é capaz de manter a alma viva e eterna. E, se algum dia essa civilização desaparecesse e o culto acabasse, a alma desse faraó também desaparecia com ela. Talvez eu esteja errado, mas é assim que eu imagino.

Até lá, aproveitar tudo que o corpo pode ser. Agarrar tudo, engolir todos os sabores, passar mal e precisar deitar. Abraçar, calcular, agir sobre o mundo com o corpo, e as vezes não fazer nada e aproveitar a ociosidade, etc. Entender que o amor é a única coisa que existe, mesmo que tenha muitos nomes e até nomes feios.

A terra remexida contém muitas histórias de amor sob nossos pés. Nunca sentir pena.