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Notas de rodapé para cartografias triangulares
> Ana Hupe


Notas de rodapé para cartografias triangulares é um projeto de pesquisa, exposição e escrita, que une e enxerga símbolos; marcas; narrativas do invisível encontradas em Cuba, Brasil e Nigéria entre 2018 e 2021. Signos deixados pelo cultura iorubá juntam-se a personagens históricos em equações abertas. Essas três das tantas notas reunidas aqui são tanto combinações e ramificações de arquivos que vão sendo conectados, como também anotações de viagem.

*Essas e outras notas estão até 31.07.2021 em exposição na galeria Bernau bei Berlin, em Berlim.


1. Bananas para o rei

Caminhando por perto da escuela de artes em Havana - um projeto estético experimental e suntuoso de arquitetura socialista iniciado na era Fidel, e nunca terminado por completo - passei por uma calle cheia de palmeiras imperiais. São árvores imensas e magras, verdadeiras rainhas que riscam os céus. Fiquei intrigada ao me deparar com um cacho de bananas (plátanos) já para lá de maduras, pregado num tronco de uma palma real e amarrado por um laço vermelho. Uma amiga cubana contou que Palma Real é a árvore de Xangô. E que, portanto, as pessoas que queiram agradá-lo ou fazer-lhe um pedido, depositam seus presentes ali. Sussurrou como num segredo - e não foi a única a fazê-lo - que Fidel tinha ficado tanto tempo no poder por ser filho de Xangô, o rei da justiça, que o protegia e o conduzia em suas decisões em prol dos direitos humanos.
A palma real é símbolo político em Cuba, é parte da constituição, carregando o espectro silencioso de Xangô. No Brasil Império, as palmeiras imperiais também serviram como instrumento de libertação. Dom João VI trouxe sementes da famosa árvore ao Brasil e mandou plantá-las, em 1809, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Ele queria exclusividade sobre aquele paisagismo importado e proibia a venda das sementes. Mas à noite, pessoas escravizadas escalavam os longos troncos, alcançavam sementes e as vendiam, juntando dinheiro para comprar suas liberdades. Xangô, mais uma vez, intervinha pela justiça através de sua árvore.



2. State of the living spring

Tinha acabado de almoçar e notei uma pequeníssima loja, mistura de livraria e papelaria. Havia uns pôsteres bem coloridos, feito banners. Há banners por toda parte na Nigéria. Estes eram mais cartazes, com uma madeira na extremidade de cima e outra embaixo, para que fosse bem esticado, um triângulo de corda na parte de trás para pendurar. Fui olhando cada um, tirando a poeira, fazia tempo que estavam ali, percebi que eram dos anos 80. Deparei-me com os slogans desatualizados de todos os estados da Nigéria, inclusive Osun State, onde estávamos. Dizia: “State of the living spring”, estado da primavera constante (ou da fonte viva). Aquela frase era a primavera em mim, a revolução eminente, a brecha que explode. Levei por 50 centavos de Naira, podia ser também só um souvenir de viagem.


* Pedra do Rio Oxum, Osogbo, Nigéria, 2019.
*Página 24 do livro Igbáradì fun Ìwé Kíkà (Desafios de leitura), de Adebisi Afolayan e Aliu Babatunde Fafunwa,  Institute of Education, University of Ife, 1980.



3. Yemanjá e Zumbi

No Brasil, Yemanjá é o mar. Na Nigéria, é rio. De acordo com uma das mitologias iorubás, ela um dia desapareceu na cidade de Shaki e se transformou no Rio Ogun, que desce ao encontro do oceano.
Zumbi dos Palmares foi um homem nascido livre, no Quilombo dos Palmares e assassinado em 20 de novembro de 1695. Ele morreu lutando pela liberdade do povo negro e sua cabeça foi exibida em praça pública no Recife, para servir de exemplo. A lei 12.519, 2011, do governo Dilma Rousseff, transformou o dia de sua morte em feriado nacional, 311 anos depois. A balsa com seu nome transporta passageiros de Salvador a Itaparica todos os dias.