BICA
OCUPAÇÃO WR#2
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OCUPAÇÃO WEB RESIDÊNCIA #2 ✹ OCUPAÇÃO WEB RESIDÊNCIA #2 ✹ OCUPAÇÃO WEB RESIDÊNCIA #2 ✹ OCUPAÇÃO WEB RESIDÊNCIA #2 ✹ OCUPAÇÃO WEB RESIDÊNCIA #2 ✹


O ponto de partida para a segunda edição do programa de web residências da plataforma BICA foram os problemas e as práticas da publicação. Esse tema pretendia responder ao contexto de um capitalismo de redes que nos instiga a ser cada vez públicos em meios cada vez mais privatizados. No âmbito do trabalho cultural e cognitivo, em especial, recolher-se é um privilégio. A precarização que leva o sujeito a se fazer de Pessoa Jurídica também nos obriga a atuar como agências de publicidade, dedicadas ao contínuo anúncio de si.

Diante dessas circunstâncias, mais palpáveis do que nunca durante a pandemia do Covid-19, buscamos criar ocasiões em que os participantes pudessem se encontrar e desenvolver as suas pesquisas, mobilizando a tensão entre o estado de introspecção gregária próprio de uma residência artística e a porosidade infraestrutural inerente à internet.

Por várias semanas, toda segunda, nos reuníamos numa sala de Zoom: mais uma entre as tantas comunidades de aprendizado episódicas que se formaram de quase dois anos para cá. Mesmo esgotado de telas, eu vinha ansioso pela certeza do estímulo mental tanto quanto pelo imprevisto do encontro. Algum dia, alguém ainda há de escrever sobre como videoaulas, oficinas e outras atividades do gênero cobriram parte do vazio deixado pelos espaços de convívio durante o lockdown global, mantendo viva uma substância da cultura que acontece não nos palcos ou nas paredes de galerias, mas entre a plateia com ela mesma.

Antes de conhecer os participantes, eu pensava em convidá-los a explorar quais configurações de partilha simbólica a ideia de “publicar” seria capaz de articular em complemento e contraste à noção de (se) expor. Como e quando uma prática deve se tornar pública? No que consiste – e o que custa – mantê-la nessa condição de abertura? Quais formas nos permitem estar disponíveis uns aos outros, mas não às corporações que ditam a economia metabólica das redes sociais?

São questões que de fato me assombram, mas que, confesso, serviam desde o começo como um pretexto disparador. A forma mais franca de tratá-las, afinal, seria antes na praxis das nossas conversas do que no seu tema. Somente tomando a abertura como um princípio e não como um assunto é que poderíamos confrontar concretamente o que ela nos demanda e proporciona.

Nesse sentido, até ensaiamos dar uma dimensão pública à residência com uma prancha espiralante de Miro, que pretendia simultaneamente funcionar como um caderno de escrita coletiva e cumprir o papel de um ateliê aberto ao internauta que porventura quisesse inspecionar nossos rastros. A prancha segue on-line; fica aqui um convite à visita. Mas é bom lembrar que o que está lá não é mais do que uma pequena fração de tudo que foi conversado. Aquilo que se perde nos serve de alerta, no que sinaliza todos os esforços que um processo não trivial de compartilhamento requer.

Pautar a residência por um princípio de abertura implicou, sobretudo, a disponibilidade à emergência de propostas e a uma ampla diversidade de projetos. Não obstante, na condição de interlocutor comum, peço licença aos participantes para imprimir ao conjunto de sua heterogeneidade um tipo de coerência curatorial que a ocasião deste texto parece convocar. Não se trata do fruto de nenhuma reflexão crítica, mas sim de uma expressão do espanto que, no contexto de uma webresidência, desenvolvida num momento tão saturado por mediações informáticas, tantos trabalhos sejam perpassados pela presença e pelas práticas do corpo.

O corpo é exaustivamente medido pelo aplicativo de Mari Nagem e se torna uma medida da exaustão no calendário pandêmico de Isabella e Felipe. Corpos se dão à fantasia como pássaro, planta e entidades cósmicas nos projetos de Marcos Pavão, Rubens Takamine e Luisa Prestes, que, cada qual à sua maneira, lançam mão do artifício como um modo privilegiado de encenar verdades. É à realidade material do corpo que apelam tanto as interfaces rústicas que Carmen Mattos projeta para seus jogos quanto as questões que Luisa Barreto levanta sobre renda básica universal e a precarização do trabalho acadêmico. É um corpo, entre evidências e mistério, que Monique Huerta decalca e a partir do qual produz impressões. São corpos que Isabel Ávila examina em videoensaios e evoca por entre as camadas de seu biombo.

Essa recorrência temática não surgiu deliberadamente dos nossos encontros. Pode ser que ela revele algo mais amplo sobre esse momento particular da história, em que somos obrigados a estar quase sempre somente conosco e nos examinar reiteradamente em imagens de webcam. Ao refletir sobre e reinventar corpos, os participantes esboçam novos modos de atuar em público e com públicos múltiplos. Novos modos de residir – de ocupar, estar presentes, permanecer juntos – em meio e apesar do excesso de conexões.

Ao fim e ao cabo, é a forma tradicional da residência artística como um evento de média duração que veio a determinar as suas condições de publicidade. Em outras palavras, foi preciso que a coisa acabasse para que outras possam começar. Nessa espécie de catálogo, se encerram provisoriamente os projetos desenvolvidos durante nossos encontros, ao mesmo tempo em que se anunciam os seus desdobramentos pelos diversos canais da BICA e alhures. É aqui, literalmente, que vocês entram – ou que essas propostas, por sua vez, escapam. Aproveitem!

Gabriel Menotti 
25.10.2021